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Sexta-feira, Abril 19, 2024

Neste dia… em 1965, goleada 4-0 em França sobre o Bordéus

GRANDE JOGO (E QUATRO GOLOS) FEZ O SPORTING EM BORDÉUS

por Raymond del Negro (Serviço especial para o «Diário de Lisboa»)

Uma das qualidades do encontro disputado, entre o Sporting Clube de Portugal e os Girondinos, de Bordéus, foi a aplicação da táctica mais conveniente por qualquer das duas equipas. E o resultado final, com a vitória do Sporting, por 4-0, não foi mais do que o fiel reflexo da diferença de classe entre os jogadores dos dois clubes. Quanto a boa visão no sistema táctico que cada uma empregou, os dois grupos empataram. Mas um jogador objectivo e simplista como Figueiredo, um feiticeiro da bola como Peres e um extremo hábil como, Oliveira Duarte acabam sempre por influir no resultado de um jogo, desde que encontrem pela frente jogadores que não ardem pelas mesmas culminâncias de qualidades ou de entusiasmo.

A equipa portuguesa tomou no terreno a disposição que lhe cabia: tentou uma arremetida logo no primeiro minuto, viu que o adversário parava o golpe e ripostava, e desde logo mostrou como sabia fechar a defesa – com um José Carlos a explicar como se defende com os olhos postos na baliza contrária e Alexandre Baptista a exemplificar como se corta seja que jogada for que chegue à grande área. Formou-se o bloco defensivo do Sporting – e os de Bordéus nunca mais tiveram um ângulo de tiro razoável – quanto mais bom.

Depois, a meio do terreno, os portugueses dispuseram: três das suas peças de melhor entendimento: Osvaldo Silva, Dani e Ferreira Pinto. Finalmente, a enlaçar o jogo com a frente, Peres – que foi o melhor dos 22 futebolistas. E, mais adiante, livres e com toda a largura do terreno à sua conta, Figueiredo e Oliveira Duarte.

A teoria adoptada foi a do contra-ataque. E foi nessa, exactamente, que a equipa melhor exprimiu o seu valor. Oliveira e Figueiredo, um fino como coral, o outro valente e oportuno como uma espada afiada, sentem-se perfeitamente à vontade nessas jogadas em que vão defrontando adversários escalonados, mas mal ligados. E foi por isso mesmo que conseguiram, à sua conta, três dos quatro golos do desafio.

O caso de Peres é especial. Mostrou-se elemento precioso de auxilio à defesa, foi um magnífico organizador de jogo da equipa e desmancha prazeres dos avançados contrários, quando actuou a meio do terreno, e mostrou uma invulgar gama de qualidades quando apareceu na linha da frente, especialmente na segunda parte, a mostrar-se empreendedor, imaginativo e rematador. Um jogador completo, cuja óptima exibição foi premiada com a obtenção de um golo.

Cabe ainda uma palavra de elogio para a valentia e acerto de colocação do guarda-redes Carvalho, uma das grandes figuras do encontro. E ainda se pode mencionar a utilidade prática, feita de atenção e de sacrifício, dos dois defesas laterais, Lino e Hilário. E chega-se a esta conclusão: a turma portuguesa mostrou que todos os seus elementos são de primeira escolha, que cada um serve perfeitamente no seu lugar e que – o que é igualmente importante – há um «espírito de corpo» que a todos une e que não deve deixar de derivar, em grande parte, de ser o treinador um antigo jogador da equipa.

Ora, a equipa do Sporting reflectiu exactamente a segurança que dá a consciência do próprio valor. Foi, acima de tudo, uma equipa tranquila e segura de si, não se perdendo quando o adversário exercia maior pressão nem enlouquecendo quando parecia haver certas facilidades. Jogando em terreno alheio, deu uma verdadeira lição de futebol.

E como é dos livros, a essa boa exibição veio a sorte a dar o seu contributo. Mal haviam decorridos seis minutos e passava o Sporting a ganhar, por 1-0: José Carlos lançou bem Figueiredo, com um passe longo, em profundidade, e o avançado, desfazendo-se de dois adversários, ainda «driblou» o guarda-redes e acabou com um remate de habilidade, de ângulo difícil, conseguindo um gelo de efeito.

Mas nesse aspecto de espetacularidade, Oliveira Duarte, ao obter o segundo golo da equipa, ainda levou a palma a Figueiredo. A segunda parte começara dois minutos antes, e Oliveira Duarte, bem solicitado por Peres, progrediu ao longo da linha lateral, bateu em velocidade dois adversários, depois de leves fintas de corpo, rodeou Calleja, que saíra a desarmá-lo, e ficou quase sobre a linha de cabeceira – e quando se esperava que centrasse atrasado, para onde Figueiredo e Peres esperavam – como esperavam os defesas e até o guarda-redes, que saíra da baliza – Duarte deu mais um passo e desferiu um remate potente e colocadíssimo, fazendo passar a bola entre o guardião e o poste mais próximo, para se ouvir o estrondo do coiro na face interna do poste mais distante. Estava feito o segundo golo do Sporting, que foi, realmente, o mais importante e mais espectacular do desafio, perfeito na forma como fora obtido e importantíssimo pela altura em que ocorria: Era, para o Sporting, a garantia da vitória.

Este tento modificou a fisionomia do encontro: passou a turma de Bordéus a carregar mais no ataque, recolheu-se a de Lisboa a uma mais cuidadosa defesa, numa luta pela igualdade que os locais desejavam a todo o custo. E pouco a pouco o ataque acerado dos girondinos foi-se embotando contra o muro vivo dos sportinguistas, tendendo-se de novo para um equilíbrio psíquico, muito embora o terreno coubesse mais aos da casa.

Nos últimos vinte minutos do encontro, porém, os portugueses ainda mostraram mais uma qualidade: capacidade atlética. E nesse período completaram a conta, com dois golos de boa feição: um, de Peres, com um remate a cerca de vinte metros – verdadeiro «tiro», que Ranouil não tinha a mínima possibilidade de defender – e outro, a quatro minutos do fim, para Figueiredo concluir bem o que tão bem abrira. Chegara-se aos 4-0 – e parece que, na prática, os de Bordéus irão gostar da visita a Lisboa por ser uma bela cidade, já que no aspecto desportivo a viagem é perfeitamente inútil.

Diga-se, ainda, que na equipa dos girondinos os elementos que mais se destacaram foram o guarda-redes Ranouil, que teve muito trabalho, difícil trabalho de que se saiu airosamente em muitos lances, e o defesa Chorda, que mostrou classe muito superior à da média dos seus companheiros. Os outros, em pouco passaram da mediocridade,

O trabalho do árbitro Gardeazabal, espanhol, foi perfeito. Passou pelo terreno praticamente sem se notar, excepto no período em que, a seguir ao segundo golo sofrido, o Bordéus endureceu e ameaçou «estragar» o encontro. Mas tudo serenou e o desafio, ao fim e ao cabo, agradou. E agradou especialmente aos bons milhares de portugueses que se encontravam entre os 16 000 da assistência.

Satisfação de Juca e inconformismo de Salvador Artigas quanto aos 4-0 de Bordéus…

Concluído o encontro Girondinos-Sporting, registámos a opinião dos dois treinadores. Eis o que nos disse Juca:
– A equipa está, num período de aperfeiçoamento e hoje demonstrou que praticamente atingiu o seu molde definitivo, quanto a colaboração de sectores e divisão de esforços. Todos os jogadores cumpriram, dentro das suas características e podemos ter legítimas esperanças de confirmar em Lisboa a vitória conseguida em Bordéus.
– Os Girondinos lutaram bem e fizeram o possível por obter o ponto de honra, que mereciam. Para nós, porém, é mais agradável a vitória sem sofrer um só golo. A equipa está moralizada e disposta a mostrar que o seu valor tem fundamento,

Quanto a Salvador Artigas, técnico do grupo francês, afirmou:
– Apesar das quatro bolas de diferença, não nos consideramos fora da Taça. Não são invulgares os exemplos da superação de desvantagens bem grandes. Não quer isto dizer que não reconheça o valor da equipa lisboeta, apenas que só se jogou metade do tempo e que, na segunda metade, bem pode o Bordéus conseguir o mesmo que os portugueses na primeira «mão», quatro golos ou mais de diferença, e passagem à segunda eliminatória.
– Na minha equipa, mesmo assim, o sector que melhor se houve foi o da defesa. Poderá parecer estranha esta ideia, mas a verdade é, que dos quatro golos, dois foram conseguidos sem ângulo de remate e outro num inesperado remate de longe.
Assim, houve apenas sorte e a sorte pode mudar.

Sob a arbitragem do espanhol, Juan Gardeazabal as equipas alinharam:

GIRONDINOS: Ranouil; Baudet e Chorda; Leonetti, Rey e Calleja (cap.); Keita, Abossolo, Duhayot, Guillas e Robuschi.
Treinador: Salvador Artigas

SPORTING: Carvalho; Lino, Alexandre Baptista, Dani e Hilário; José Carlos (cap.) e Ferreira Pinto; Osvaldo, Figueiredo, Peres e Oliveira Duarte.
Treinador: Juca

Golos: Figueiredo (7’ e 87’), Oliveira Duarte (48’) e Peres (80’) (Sporting)

Data: 22/09/1965
Local: Bordéus
Evento: Bordéus (0-4) Sporting, 1ªmão da 1ªelimanória da Taça das Cidades com Feiras

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