RUGIDO VERDE

Levantar e levantar de novo, até que os cordeiros se tornem Leões!

Quinta-feira, Março 28, 2024

Neste dia… em 1950 – Goleada por 8-1 ao Benfica no jogo de despedida de Manecas.

A DESPEDIDA DE MANUEL MARQUES

A consagração do jogador teve sinceridade e emoção mas o mau tempo prejudicou a festa

Sporting derrotou Benfica por 8-1

Manuel Marques, o popular «Manecas» do Sporting, era digno de melhor sorte. O excelente programa que conseguira organizar com o concurso do Benfica, do Belenenses e do Atlético – é claro que também do Sporting! – justificava uma enchente, embora o dia não fosse totalmente considerado feriado…

Mas, por volta do meio dia, começou a chuviscar, para a breve trecho, caírem fortes bátegas de água, afastando o público que se preparava para ir até ao Estádio Alvalade, e encharcando os desprevenidos, os que calcularam que o mau tempo passaria depressa.

Deve ter sido sensível o prejuízo, digamos, sofrido por Manuel Marques. E, no entanto, poucos jogadores mereçam como este rapaz modesto, aprumado, sempre exemplarmente correcto, tirar o maior benefício da sua festa de despedida, O tempo não deixou. A própria festa, em tais condições, tinha de ressentir-se. O ter sido afastado o público, com receio de uma molha inevitável, já não foi pequena «machadada» no êxito da organização.

No entanto, «Manecas» pôde verificar quanto é estimado. A cerimónia da despedida teve de ser um pouca abreviada. Terminado o primeiro desafio, o árbitro Oliveira Machado, que o dirigira em despedida também da sua longa actividade (quinze anos), dirigiu algumas palavras de saudação a Manuel Marques, pondo em devido relevo a sua compostura com os juízes de campo, o seu carácter, a sua impecável disciplina.

O nosso prezado camarada Tavares da Silva fez, depois, o elogio do homenageado. Falou em tom vibrante, traçando com clareza o perfil de «Manecas», a cuja fidelidade clubista prestou efusiva e sincera homenagem.

O tesoureiro da F. P. F., dr, António José de Melo, entregou ao Belenenses a taça «Gam», e o antigo jogador dos leões, João Francisco, um nome que evoca uma época gloriosa do Sporting, fez entrega ao Atlético da taça «Filipe dos Santos».

O dr. Ribeiro Ferreira, presidente do Sporting, recebe de Manuel Marques a linda medalha comemorativa da sua Festa.

Pelo sr. dr. Salazar Carreira foi lido, publicamente, o louvor que a Direcção Geral dos Desportos endereçou a Manuel Marques, após o que o homenageado distribuiu medalhas a todos quanto intervieram na reunião. Num gesto muito interessante, «Manecas» dirigiu-se ao camarote da Imprensa, para agradecer na pessoa de Ricardo Ornelas, a quem abraçou, todas as demonstrações de simpatia e apreço que os críticos desportivos lhe dispensaram no decorrer da sua carreira.

O simpático desportinguista voltou depois ao terreno para entregar ao sr. dr. Ribeiro Ferreira uma medalha comemorativa da festa e receber inúmeras prendas de amigos e admiradores e dos organismos desportivos. Anotamos, entre outras, ofertas da A, F. L., Desportivo do Campo Grande (onde deu os primeiros passos) e Fernando Peyroteo, este vibrantemente aclamado pela assistência.

Mais tarde, aos quinze minutos do primeiro tempo do desafio Sporting-Benfica, Manuel Marques deixou o campo, acompanhado pelos seus colegas da equipa, e depois de ter recebido de Azevedo uma salva de prata oferecida pelos jogadores do «team» de honra do Sporting.

Assim terminou, sem dúvida, a carreira de um jogador que foi exemplo de virtudes!

Fernando Peyroteo entrega a sua prenda a Manuel Marques e dirige-lhe algumas palavras amigas. O feito de Peyroteo é aplaudido pela assistência com grande ovação.

O jogo Sporting- 8 Benfica -1

Arbitro: Silvério Bebiano (Lisboa)

Sporting: Azevedo; Caldeira, Manuel Marques e Juvenal; Canário e Veríssimo; Jesus Correia, Vasques, Wilson, Travassos e Pacheco Nobre.

Benfica: Rosa: Jacinto, Félix e Fernandes; Clemente e Francisco Ferreira; Calado, Diamantino, Júlio, Melão e Rosário.

Os encarnados alinharam, portanto, sem Corona, Arsénio e a nova «estrela» Aguas.

Os leões começaram em tom forte, atacando com vigor e desenvolvendo futebol de bom recorte. Aos 3 minutos Wilson obteve a primeira bola, concluindo um canto primorosamente marcado por Travassos.

Os benficas reagiram com denodo, mas a urdidura do Sporting era evidentemente mais certa, vendo-se Travassos a jogar em grande plano. Foi este jogador quem, aos 25 minutos, logrou o segundo ponto, aproveitando com convicção um alheamento de Rosa.

Aos 31 minutos, coroando a supremacia notória dos leões, Jesus Correia elevou a marca para 3-0, depois de uma jogada «à Sporting» em que intervieram Vasques, Travassos e Wilson.

Sempre a dominar, isto é, a comandar o jogo, o Sporting martelou frequentemente a defesa contrária, castigando-a bem. Um remate de Wilson foi devolvido por um poste e aos 44 minutos Vasques fixou em 4-0 o resultado do primeiro tempo. Em todo o período o Benfica só perto do quarto golo dos leões, teve uma fase de assédio, tendo Azevedo defendido com brilho um pontapé perigoso de Júlio, e Caldeira evitado um golpe pouco depois.

Para a segunda parte os «teams», modificados, alinharam:

Benfica: Bastos; Jacinto, António Manuel e Fernandes; Clemente e Francisco  Ferreira; Calado, Melão, Júlio, Mascarenhas e Zeca.

Sporting: Azevedo; Caldeira, Passos (que substituíra Manecas aos 15 minutos de jogo) e Juvenal; Canário e Juca; Jesus Correia, Vasques, Wilson, Travassos e Pacheco Nobre.

Aos 2 minutos: 5-0. Corrida de Jesus Correia, toque para trás e remate de Wilson, estendendo a perna.

Os encarnados reagiram, aproveitando certo decaimento do adversário, e Mascarenhas, que denunciou habilidade, marcou o único golo da equipa aos doze minutos.

Evidenciando maior facilidade em acercar-se da zona de remate, e com Travassos a jogar admiravelmente, o Sporting recomeçou a marcar golos aos 23 minutos, por Vasques. Depois, até final, mais dois: Jesus Correia, aos 27 e Pacheco Nobre, aos 43.

O jogo terminou, pois, com 8-1 a favor do Sporting. Cremos que é a maior diferença registada entre os dois clubes. Vitória mais que justa dos leões, com Travassos gigantesco.

Arbitragem pouco convincente.

O dr. Tavares da Silva profere, com enternecimento, o elogio de Manuel Marques.

Elogio de Manuel Marques, por Tavares da Silva

Não tivemos tempo – tanto gostaria! – de recolher dos sportingues e de todos os desportistas o que eles pensariam da personalidade, toda uma personalidade, de Manuel Marques como homem e como jogador. Teríamos feito depois, se a Arte nos concedesse essa graça, necessariamente, o mais belo ramo de flores para o depor hoje aqui, juntando-o a tantos outros, mas conservando-o ainda fresco e viçoso pela nossa saudade. Seriamos só nessa hipótese o intérprete ideal da linguagem que hoje se deveria falar. De resto, talvez as palavras sejam escusadas, visto os sentimentos se poderem exprimir algumas vezes, muito melhor, de outra forma. A prova está em que, se Manuel Marques pudesse mesmo agora encarar atentamente – acaso a emoção lho consentisse! – a expressão de todos quantos o rodeiam neste campo que é a natural e verdadeira raiz do Sporting, decerto teria um quadro mais perfeito e real, espontâneo e sincero, da estima e da admiração, enfim, de como todos lhe querem.

Mas este momento, se emociona, está longe de constituir uma manifestação de tristeza, mas deverá pelo contrário ter-se como um belo acto de justiça, premiando na parte em que é possível elevar as acções que não têm preço, uma vida exemplar de jogador de futebol e de homem, talhada em dignidade, correcção e nobreza. Um atleta de magnificas condições físicas e de grande linhagem na ordem moral!

O Sporting pode orgulhar-se legitimamente de ter dado ao futebol português belas figuras, parecendo-nos que o clube exerce enorme influência naqueles que o representam, assim se justificando o carácter de exemplar desportivismo que é apanágio dos seus atletas. Manuel Marques é bem uma dessas encarnações leoninas. Ser nobre na luta, respeitar o adversário, gozar as vitórias sem espalhafato para não diminuir aqueles que perdem, ter a amargura da derrota mas sofrê-la de cabeça erguida, são afinal princípios que devem estar na Cartilha de todo o Sportinguista e fundamento que nos obriga a ser cada vez mais teimosamente sportinguistas.

Não há método nas nossas palavras por que elas foram traçadas num impeto, como se se tratasse de uma jogada oportuna de remate que de certo moda conclua a série de passagens – verdadeiros monumentos do Jogo! – levada a cabo pelos nossos camaradas que, nos seus jornais, já foram justos e exactos, sinceros e brilhantes, recolhendo da vida desportiva de Manuel Marques as facetas mais salientes e os melhores motivos, ao ponto de nada ficar para dizer e do nosso remate ter de resultar, certamente, defeituoso e sem a força precisa.

Se do homem passarmos para o jogador verifica-se que aquele que mantém na vida social uma conduta irrepreensível, bom chefe de família, funcionário zeloso e cumpridor onde trabalha, companheiro excelente que gosta de brincar, inventando e descrevendo histórias que muito ajudam a manter o sentimento de camaradagem numa equipa, transpõe para o campo do Desporto essa bela linha de nobre aprumo que norteia a sua existência. É de resto nossa convicção há muito tempo que os jogadores revelam na prática, e mais exactamente quanto mais importante ou apaixonada for a contenda, seu carácter e educação – o fundo da sua alma.

Manuel Marques pertence à plêiade cada vez mais reduzida, raça que tende mesmo a desaparecer de todo!, dos que conheceram um só clube. Aos 15 anos de idade começou a jogar no Sporting e aos 33 abandona a prática oficial desportiva não tendo nunca despido, senão para cumprir deveres de representação da sua Associação ou do País (a Selecção Nacional encontrou nele e algumas vezes sob nossa autoridade directa, o que muito nos orgulha, um jogador de dádiva total!) a primeira camisola que envergou, de cor mais retintamente verde à medida que fora usada.

Dezoito anos a jogar à bola sempre pelo Sporting, muitos campeonatos ganhos, por vezes, todos de uma época, treze anos em primeiras categorias, após conquistar esse direito cumprindo sucessivamente na árdua tarimba das várias categorias como se exigia ao jogador do passado, 600 desafios ao todo disputados, são a síntese fria nos números mas iluminada e empolgante na sua verdade e grandeza de uma carreira particularmente brilhante.

Como jogador, Manuel Marques tocou quase todas as teclas de um team, desde avançado na variedade dos seus lugares até ocasionalmente à tarefa de guarda-redes. Em todas o vimos e dele nos lembramos, mas é nas funções de médio-esquerdo no tipo antigo e de defesa central na escola moderna, que a sua figura se recortará para o futuro.

Médio, numa altura em que o conteúdo da função era diferente de hoje, no lugar por assim dizer mais vivo e colorido de um grupo, que exigia jogadores de classe, distinguiu-se sempre pela velocidade e sentido de antecipação, rara energia, agilidade felina e pela forma como derivava os lances e lhes dava seguimento. Mas onde o jogador revelou mais nitidamente os seus invulgares recursos foi no posto de defesa central ou médio-centro base e atrasado, que na evolução das tácticas provenientes da modificação de uma das Regras fundamentais do Futebol, pode dizer-se o posto que sofreu maiores alterações dos tempos antigos para os modernos, e deverá por isso ser concedido a homens de boa estatura por virtude das exigências de «jogo de cabeça» que absorve o maior quinhão da tarefa. Pois sucedeu a coisa espantosa e extraordinária de, Manuel Marques, apesar da sua estatura, mas por um fenómeno raro de boa elevação, agilidade e flexibilidade – parecia uma bola de borracha! – ganhar repetidamente todos os lances deste género, numa partida, a dianteiros de bom salto e grande altura, revelando ainda colocação, pontapé forte, e especialmente um ritmo de acção que o fazia chegar ao sitio preciso no momento exacto, estorvar a recepção da bola por parte do adversário e neutralizar-lhe os movimentos!

Senhoras e Senhores – Manuel Marques, jogador todo sinceridade, de aprumo e nobreza. de atitudes, de uma só cor, vai-se hoje embora, só aparentemente, no «écran» das coisas terrenas, por que a verdade é que a sua figura ficará para todo o sempre connosco, ao nosso lado, na zona espiritual da existência. Os jogadores do Sporting, especialmente os seus grandes servidores, não mais desaparecem – porque assim o quer a nossa recordação e sensibilidade e o exige o culto sportinguista. Quando o quiserdes ver bastará vir a este campo, fechar os olhos, e logo perpassará a imagem do «Manecas», flexível, ágil e felina, com o seu lenço branco a esvoaçar desafiando o vento e a rapidez ou então podeis contemplá-lo em todos os desafios em que participe a equipa leonina encontrando certamente em alguns dos seus elementos o espírito do jogador que hoje se despede e é homenageado. E elevemos todos preces para que os futuros jogadores do Sporting sejam todos como o bom modelo, Manuel Marques.

Fonte: Revista Stadium

Data: 05/10/1950
Local: Estádio José Alvalade
Evento: Despedida de Manecas - Sporting (8-1) Benfica

Artigos relacionados

Comments

Leave a Reply

XHTML: You can use these tags: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>