RUGIDO VERDE

Levantar e levantar de novo, até que os cordeiros se tornem Leões!

Sexta-feira, Março 29, 2024

Neste dia… Entrevista a Jaime Pacheco em 1985: «Sofri muito, mereço ser campeão pelo Sporting»

Jaime Pacheco, como ele diz, nunca foi campeão de nada. Andou perto algumas vezes, mas não conseguiu. Esta época, porém, sente que a perseguição iniciada há alguns anos vai finalmente ser coroada de êxito, pelo valor da equipa do Sporting e também porque, remoçado de 15 meses de grande sofrimento provocado por pubalgia, acha-se merecedor de um título compensador.

Agora, encontrando-se ainda na última fase da convalescença vigiada pelo professor Rui Oliveira e pelo novo departamento clínico do Sporting, Jaime Pacheco pode remomerar aliviado os longos meses de padecimento que para trás ficaram. Não houve o espectro do abandono que atormentará jogadores mais idosos ou menos corajosos, mas o temor da intervenção cirúrgica e a incompetência clínica prolongaram de forma escusada uma maleita que podia ter sido debelada muito antes.

A lesão que pode agora considerar-se curada foi provocada pela preparação duríssima dos jogadores seleccionados para o Europeu, no termo de uma temporada que tinha sido extremamente desgastante para os jogadores do F.C. Porto, finalistas das Taças das Taças. Pacheco entregou-se temperalmente aos treinos e testes e quando as primeiras dores chegaram convenceu-se de que acabariam por desaparecer. Sabia de casos ultrapassados com tratamento e repouso e pensou então que tudo ficaria bem nas férias pós-Europeu. Em França, aguentou-se, poupava-se nos treinos e jogava no máximo, mas as dores aumentavam gradualmente.

Nas férias, evitou o futebol de salão, limitou-se às praias e as dores “enganaram-no”.

Assinou pelo Sporting, na espectacular operação sobejamente conhecida, mas ao fim de três treinos em Alvalade sobressaltou-se com o ressurgimento das dores que, então, o obrigaram a parar durante algumas semanas.

As dores – conta – eram “chatas, esquisitas”, as radiografias sucediam-se e o doutor Branco do Amaral dizia “que não tinha nada”. Aceitou então jogar sob o efeito de anti-inflamatórios, mas ao fim de algumas semanas sofreu uma tendinite na perna esquerda que o obrigou a parar três meses e meio.

Obcecado com a nova lesão, cuja grande fonte de cura é o repouso total, “esqueceu-se” da pubalgia e virou-se para a recuperação do tendão de Aquiles. Regressou num jogo simples, de Taça, com o Elvas, e não sentiu dores. Duas semanas mais tarde, todavia, elas atacavam de novo e, então, Jaime Pacheco começava a sofrer também psicologicamente: “até tinha medo de me queixar, mas felizmente o treinador foi muito compreensivo, facilitava-se a preparação”. No entanto, o cuidado de Toshack não tinha continuação no departamento clínico incapaz de diagnosticar o problema e muito menos decidir-se ou não pela operação.

Estava farto de sofrer fora do campo, pois aquilo não era situação para mim” – recorda Pacheco que tinha dificuldade até para dormir – “e tomei a decisão: não jogo mais enquanto não estiver bom!”

Felizmente, esta decisão era tomada ao mesmo tempo que entrava ao serviço do clube uma nova equipa médica que começou por aprovar um tratamento infrutífero de um mês com o professor Koboyashi, a que se seguiu a decisão de operar – quase um ano depois das primeiras dores.

Foi um ano de grande sofrimento para Jaime Pacheco. Primeiro a “confusão” da transferência Porto-Sporting, a separação da família, a mudança de ambiente, depois o desejo de corresponder à esperança do novo clube, “ser o mesmo Jaime Pacheco”, e não ter condição física, vivendo só, lesionado: “foi muito doloroso” – recorda, já aliviado e feliz porque nem o clube nem a massa associativa se apressaram a “cobrar” o malogro ou a interrogar-se sob as condições da sua “libertação” pelo Porto.

Andava desesperado, teria sido muito pior se me tivessem pressionado, mas ninguém o fez, antes procuraram dar-me o máximo de apoio e conforto, o que me facilitou bastante a problemática adaptação ao clube” – comenta.

Ao nível pessoal, esta adaptação decorreu de forma mais simples, como é normal que aconteça com um jogador como Jaime Pacheco. O ex-portista conhece as suas responsabilidades e as dos colegas: formar em Alvalade uma equipa que “mais ano menos ano” se cotasse entre as melhores da Europa. Pacheco não tem dúvidas que este objectivo está em acelerada via de concretização, depois de sanada a instabilidade que afectava a equipa e o clube desde há anos e nunca fora debelada.

Esta época” – diz Pacheco – “verificou-se uma grande transição, O Departamento de futebol foi totalmente remodelado, entrou uma equipa médica fabulosa, os a mas dos jogadores são resolvidos na hora e a equipa técnica foi reforçada com um elemento de muita importância, um recuperador físico a funcionar entre os médicos e o treinador em termos inéditos no futebol português”.

E depois, como a esmagadora maioria dos sportinguistas, Jaime Pacheco sublinha o trabalho do novo treinador, depois de referir que não quer “puxar saco” de Manuel José: “não me surpreendeu, pois só um técnico de grande gabarito teria feito o que ele fez em Espinho, Guimarães e Portimão”.

Apoiado num adjunto, Valdemar Custódio, que segundo Jaime Pacheco “é de mais”, Manuel José devolveu ao futebol do Sporting um futebol mais estável, “mais de pé para pé”, a tirar partido da técnica dos seus jogadores, evitando aqueles cruzamentos e correrias (a)típicas da “era Toshack”.

Jaime Pacheco é outro fenómeno curioso do futebol português. “Nasceu” apenas aos 21 anos, seis meses depois de ter abandonado a equipa de Lordelo, ao decidir ir treinar às Antas em vez de aceitar um dos convites recebidos (Penafiel, Rio Ave, Beira Mar, Paços de Ferreira e Académica). Da mesma forma, chegou à selecção de uma maneira acidental e original: foi chamado por Otto Glória para o jogo da célebre vitória sobre a Alemanha Federal no Restelo, em que as grandes vedetas do momento recusaram estar presentes, numa das originalidades que o futebol português é fértil. Diz Jaime Pacheco: “se não tivesse acontecido aquilo será que eu iria alguma vez ser seleccionado? A verdade é que eu já era titular do Porto há muito tempo e nunca ia à selecção, porque não era um dos habituais”.

No entanto, apesar desta experiência, Pacheco tem uma atitude controversa em relação à forma como a selecção vem funcionando nos últimos tempos: “estou farto de pensar e repensar e chego sempre à mesma conclusão – enquanto tivermos uma organização como a da Federação, só lá vamos com milagres”.

E o número 10 da selecção portuguesa sublinha a falta de entendimento entre os treinadores da Federação e os dos clubes que deviam acompanhar e apoiar a preparação da selecção. Por outro lado, critica a forma demasiado fácil como se está a chegar à selecção A e o facto de Portugal não poder dar-se ao luxo de dispensar jogadores como Frasco ou Sousa para jogos da importância dos disputados no mês passado.

Em Portugal” – diz – “há apenas 20 ou 30 jogadores à altura de jogar na selecção. No entanto, basta um fulano fazer dois ou três jogos razoáveis, merecer elogios da crítica, que não tarda em ser convocado…

Outra coisa com que Pacheco embirra solenemente é com os “lugares marcados” no seio da selecção, que deveria ser escalada segundo o rendimento nos treinos. Ele sabe quanto lhe custou lá chegar.

Jaime Pacheco – 20 jogos na selecção: “temos que marcar posição, deixar de ser tratados como objectos nas mãos de uns senhores que decidem tudo, muitas vezes mal. Temos que ser ouvidos!

Fonte: Revista Foot

Data: 01/11/1985
Local: Revista Foot
Evento: Entrevista

Artigos relacionados

Comments

Leave a Reply

XHTML: You can use these tags: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>