RUGIDO VERDE

Levantar e levantar de novo, até que os cordeiros se tornem Leões!

Quinta-feira, Março 28, 2024

Neste dia… Entrevista a Baltasar em 1977: Renovei com o Sporting porque gosto do clube, mas outros me procuraram com condições muito boas

No posto clínico de Alvalade, encontrámos o «rubio» Baltasar. Mais uma sessão de tratamento, depois de um treino sem forçar. Encontramos o futebolista leonino um pouco abatido. Talvez até um pouco desmoralizado. Baltasar anda triste. Aquela lesão era «coisa» para duas semanas. Já lá vai mais de um mês e Baltasar sente que não está em condições. Talvez mais uma ou duas semanas para poder efectivamente dizer que está recuperado.

– Como vai isso?

– Parece que a melhorar, mas francamente que estou desanimado. As previsões eram de duas semanas e afinal, o tempo vai passando e eu continuo a não me sentir bem. Se isto não melhora de vez, terei que procurar outros caminhos.

– Depois de entrar na equipa, atingir a forma, tudo isso vai levar tempo!

– No que se refere à forma, isso não será problema pois eu sou naturalmente um trabalhador e como tal depressa me encontro se não no melhor pelo menos a dar bom rendimento. No que se refere à rotina de jogo, ao entrosamento isso é que como sabe acaba por levar um pouco de mais tempo. Mas o mal maior é que não conseguimos estar todos bem, pois quando não são uns lesionados são outros. Veja agora que sou eu, o Keita e o Manoel. Depois, espero que isto acabe uns tempos.

– Como tem visto a equipa como espectador?

– Confesso que tenho gostado. Por exemplo em Setúbal, o conjunto esteve bastante bem, mas à sorte foi francamente adversa. Depois veio o Bastia e quando tudo dizia que era jogo para ganhar até com certo à vontade, acontece aquela derrota. Já com muitos lesionados fomos ao Porto e perdemos. Claro que a rapaziada começa a sentir que o azar entrou na equipa o que acaba por ser aborrecido.

– Aquelas goleadas iniciais em Coimbra e depois frente ao Braga só se repetiram com o Feirense!

– Uma verdade tenho que lhe dizer. Os resultados frente ao Braga e em Coimbra foram conseguidos com certa felicidade. À equipa anda não estava a jogar O bastante para conseguir tais resultados. São coisas do futebol Creio mesmo que a massa associativa devia compreender que era muito cedo para que resultados. como aqueles tivessem continuidade jornada após jornada. Agora contra o Feirense, pois também não se fez nenhuma exibição espectacular mas de novo os cinco golos apareceram.

– Houve finalmente jovens lançados na equipa!

– Eu concordo. Eles têm que ter a sua oportunidade. Não pode ser pelo facto de os titulares estarem lesionados que se vai dar oportunidade dos suplentes. Eles devem jogar para mostrarem o que valem. Depois terão é que trabalhar muito para se manterem nos lugares que tiveram oportunidade de ocupar.

– Mas em sete jornadas o Sporting perdeu cinco pontos!

– Apenas dois foram mal perdidos Os de Setúbal O empate com o Benfica, pois é um resultado normal, em Alvalade ou na Luz À derrota no Porto, só pelos números não está certa. Mas é verdade! De qualquer maneira foram cinco pontos perdidos em sete jogos, o que não estava nos nossos pianos. Aliás, tão pouco estava, perder a eliminatória com o Bastia. Paciência!

– Está vendo melhorias na equipa?

– Julgo que sim, que algo de bom já se está à passar, pois temos tido reuniões e parece que o que estava menos bem, já está a correr bastante melhor.

– Com as lesões e as utilizações dos que eram suplentes, o Sporting cada vez tem mais problemas no «banco»!

– É uma verdade. Fizeram-se aquisições para os lugares chaves, mas no que se refere a suplentes, a maioria são jovens que vieram dos juniores e aos quais falta a rotina dos jogos. Mas veja, que com excepção do Porto e do Benfica o mal é geral. Claro que o Sporting pelo lugar que ocupa no futebol português devia ter tal como os clubes que citei um plantel melhor, mas a verdade é que não tem.

– Preocupa-se com o facto de quando joga, saber que se se lesionar de imediato há problemas com a substituição?

– Confesso que deixo esse problema para o técnico. Eu quando entro em campo só penso em cumprir, em dar tudo por tudo para que o clube ganhe o jogo. Não se pode mesmo estar a pensar em mais nada.

– Mas é sempre um problema!

– Claro que deve ser mas para o técnico. Para o jogador que se lesiona o problema é não poder jogar e nunca saber quanto tempo a lesão dura, como está acontecendo comigo.

– De qualquer modo, com toda esta onda de lesões, o Baltasar pensa que continuam na corrida para o titulo?

– Mas isso é evidente. Faltam jogar vinte e três jornadas. Ainda é muito cedo para se falar em posições definidas. Eu confio e estou certo que os outros pensam da mesma maneira.

– Como está o moral da rapaziada, uma vez que nem tudo está a correr bem?

– Porque durante os treinos só se trabalha e não se conversa eu não posso adiantar muito Acontece que começamos a trocar impressões nos estágios, nas concentrações e eu não tenho estado presente, porque não jogo devido à lesão.

– Você parece que moralmente está um pouco em baixo!

– Por temperamento eu gosto de estar em actividade. Gosto de jogar, de estar lá dentro das quatro linhas. Ora quando me disseram que a lesão duraria duas semanas eu já fiquei aborrecido. Que quer que lhe diga, quando já vai além de um mês?

– Por quanto tempo o seu novo contrato com o Sporting?

– Até 1978.

– Pensa continuar?

– Sinceramente que gostava, pois tenho só 29 anos e acho que anda posso jogar umas boas épocas.

– Satisfeito com o que ganha?

– Não. Ao contrário do que se pensa e até do que se diz, eu posso sem medo dizer, que o meu vencimento no Sporting só é superior ao dos juniores!

– Assim tão pouco?

– Números certos sem contar com prémios de jogos, vinte e sete contos e quinhentos!

– Só?

– Precisamente. Considerando o actual custo de vida, uma alimentação adequada, a educação do meu filho, tenho a impressão que ninguém vai querer que eu seja milionário.

– Há muito tempo que aufere esse vencimento?

– Há pouco. Ganhava vinte e dos contos e quinhentos e tive um aumento apenas de cinco mil escudos!

– Em relação a alguns companheiros a diferença é considerável?

– Não me importa com o que os outros ganham. Gostava até que ainda ganhassem mais. Mas também gostava que os responsáveis vissem que do guarda-redes ao extremo esquerdo, todos trabalham no mesmo serviço, todos lutam pela mesma causa!

– Mas tem que haver uma ou outra vedeta!

– Aceito que sim. Mas é capa de me dizer qual é a vedeta que, como eu, que não o sou, esteve na época passada presente em todos os jogos? Apenas lhe faço a pergunta sem exigir resposta como é óbvio.

– Os jogadores estrangeiros por exemplo!

-Eu não cito A,B,C ou D, eu apenas tenho que olhar pelo meu futuro, pelo bem estar de minha casa, pelo futuro, pela educação do meu filho. A vida de um futebolista e você bem o sabe dura pouco. Há que pensar no futuro. Quem o pode fazer, sem sacrifícios ganhando o que eu ganho, para poder juntar uns patacos, muito contados? Pode crer que não é nada do que a maioria das pessoas pensa.

– Isso significa que findo o contrato o Baltasar talvez pense em novos rumos!

– Confesso que postava de continuar como profissional do Sporting. Mas terá que ser revista a minha situação. Se tiver que sair para melhorar o meu vencimento, espero que as pessoas compreendam a minha posição.

– Como reage por ser apontado como um duro do futebol?

– Por vezes, penso que as pessoas não sabem ver a diferença que há entre um jogador viril que não vira a cara, e o jogador que sistematicamente por falta de técnica «arreia». Ora eu ate tenho sido vitima de ceras jogadas em que entro com «paninhos quentes», como aconteceu, por exemplo no jogo frente ao Braga em que me lesionei. Claro que eu não atribuo culpas ao Ronaldo, mas a verdade é que se fosse ele que ficasse lesionado toda a gente dizia que o Baltasar entrou pare «arrumar». Alem do mais, eu sou um profissional que respeita os meus companheiros de oficio. Que sei, que quando há uma lesão, o dinheiro que se recebe é menos pois não há prémios de jogos. Como chefe de família, como profissional, como podia eu jogar para aleijar?

– Apenas viril!

– Claro, como afinal muito outros. Mas a verdade é que eu reparo que há uma certa tendência para se apontar o Baltasar como um mau que não é, como aquilo que sou um jogador viril e que não vira a cara à luta.

– Ainda voltando ao que você ganha, há muito que certamente anda a «moer» essa história!

– É verdade. Só agora, consigo, estou a dizer aquilo que sinto, mas mais para fazer ver aos responsáveis dos clubes que as grandes diferenças de vencimentos entre profissionais do mesmo oficio não é certamente o melhor caminho para que o clube colha melhores resultados. Antes pelo contrário.

– Mas porque fez então o contrato que fez?

-É isso mesmo! O grande culpado sou eu, por ter feito o contrato que fiz, quando havia dois clubes que me davam bastante mais. Mas eu gosto de estar no Sporting e como tal fiquei Mas também confiei que tomassem a iniciativa de me melhorar as condições, o que aconteceu apenas com o aumento de cinco mil escudos por iniciativa do Senhor João Rocha.

– Há jogadores na segunda divisão que ganham muito mais que o Baltasar!

– Na segunda e em clubes da primeira que não têm a projecção e a responsabilidade do Sporting.

– Sabe que os amadores de futebol na Dinamarca ganham entre sessenta e setenta contos nos empregos e por isso são «pseudo-amadores» no futebol?

– Fico a saber e apenas lhe digo que isso prova a evolução do nosso país em relação aos outros. E há quem pense que os futebolistas em Portugal são todos milionários. Olhem para o meu caso e depois digam-me como é.

No posto clínico de Alvalade, encontrámos Baltasar. Lá o deixamos, entregue aos cuidados dos massagistas, Manuel Marques e Morais. Baltasar com saudades de voltar aos campos. Baltasar que vê jogadores que entram e começam logo com salários de longe superior ao dele. Para Baltasar uma sugestão que pode servir para muitos outros futebolistas portugueses. Tentar o Brasil e voltar depois! É Limpinho que dá, caros futebolistas.

Data: 15/11/1977
Local: Estádio José Alvalade
Evento: Entrevista à Revista «Golo»

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