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Sábado, Abril 20, 2024

Comentário (Muito) Breve: Food for Thought na Cidade Sporting

Estava eu relativamente tranquilo, até inusitadamente magnânimo, a desfrutar da estabilidade do primeiro lugar no futebol e da pausa para jogos da Selecção, que suavizam matérias críticas num clube que vive uma grave paz podre na transfiguração completa em carrossel, quando fui surpreendido pelo ressurgir em cadeia do nome Cidade Sporting. Um nome atribuído à envolvente em 2017, com as obras para a construção do pavilhão João Rocha (iniciadas em 2015), a inauguração da Rua Prof. Moniz Pereira, a rotunda Visconde de Alvalade (podem consultar aqui), e diversos campos. Relembro que desde a demolição do antigo estádio José de Alvalade, tudo não passara de manifestos de intenção que redundaram apenas na venda de terrenos e no custoso recurso ao pavilhão de Odivelas, matérias sobre as quais já antes me debrucei (eg. aqui) . O ano de 2017 foi por isso histórico, e fiquei incrédulo com a intencional ausência de referência. 

Mais uma vez, vi o jornal do Clube a ser usado como panfleto de propaganda política, e diversos órgãos de comunicação social a cumprirem um papel subversivo em pleno ano de 2021, num país considerado desenvolvido e que se quer (muito) melhor: o de mera caixa de ressonância disponível.

Se o meio desportivo consegue instrumentalizar a imprensa nacional, como é sabido há vários anos, questionem-se sobre o que sucede noutras esferas nucleares para a cidadania activa, basilar para uma boa governação. O país de há largos anos para cá é assim explicado – de forma condensada e minimizadora – por um meio de entretenimento, que infelizmente movimenta uma quantidade substancial de dinheiro que o distorce ao ponto de servir como residência para apostas ilegais e interesses obscuros transversais, materializados na variedade de processos em julgado. Não se confina ao desporto, mas antes a quem somos e ao que permitimos pois agentes, sejam eles oriundos da esfera económica, financeira ou política, não duvidam em aproveitar o fértil terreno acrítico que fica disponível para exploração; não só disponível, como minuciosamente mapeado.  

Não tenho a mais mínima necessidade de agradar a uma única alma referindo skate, uma pavimentação qualquer, ou um cesto de basket, com banalidades como “é sempre positivo” ou “elogie-se A, B ou C”. Cabe aos residentes pronunciarem-se sobre prioridades, planos e gastos orçamentais das suas juntas e autarquias, como é o caso, sejam estéticos ou profundos. O que me leva a escrever a contra-gosto é o mal-estar provocado pela “pós-verdade”, e que toca em factores que para mim são graves e ultrapassam em muito o âmbito desportivo, carecendo de qualquer componente benigna. 

Tenho ouvido de várias pessoas a constatação sobre uma estratégia de revisionismo histórico como praxis, que consiste em progressivamente eliminar o cunho do trabalho feito pela anterior administração e pelo cidadão e ex-Presidente Bruno de Carvalho com sucessivas “camadas de tinta”, só exequível pelo cenário mediático ilustrado acima. Assistir a isto numa instituição de utilidade pública é inqualificável e insuportável, apenas imagino o choque que é ver o trabalho comprovadamente feito, parte de quem somos, ser alvo de um gradativo ataque ao âmago. Causa vergonha como concidadão, e é provável que eu não seja capaz de perdoar aos responsáveis, quer os da estrutura, quer os dos veículos usados para a finalidade. Veja-se por exemplo o caso da academia, no qual se procurou eliminar qualquer referência ao investimento de milhões de euros para melhoria e expansão das instalações que ocorreu em  2016 e 2017. Veja-se a censura e eliminação de imagens amiúde ocorrida na Sporting TV, inaugurada pela anterior direcção após inúmeras promessas quebradas (até ver, pois poderá nascer em 2022/23 para gáudio dos adeptos). Veja-se o rebranding de iniciativas já existentes, procurando descaradamente e desnecessariamente fazê-las passar por novas, não se ficando por estratégia de marketing mas adicionando um vincado  traço político infelizmente tão característico quão medíocre. Veja-se a narrativa descalça (peço desculpa por reavivar más memórias a milhares de adeptos) sobre formação abandonada, uma narrativa débil que é facilmente desconstruída com a factualidade ou um par de neurónios funcionais, a não ser que sejam capazes de engolir estórias sobre colchões ortopédicos e dois anos de fertilização com adubo Amorim (é um segredo bem guardado, mas apenas entrou no clube há um ano). Veja-se a “herança pesada”, com activos muito superiores a 2013, menos passivo, mais sócios, contrato televisivo milionário, e permitindo o encaixe de duzentos milhões de euros em jogadores (já consumidos sem ninguém querer saber o porquê em pormenor, adoptando chavões de algibeira como justificação). Essa estratégia pérfida do tempo da outra senhora só será possível se, em pleno ano de 2021, em espaço europeu, a cabecinha das pessoas estiver a funcionar sincronizada com a primeira metade do século XX, disfarçada de modernaça com umas camadas de tecnologia emergida e produzida em terras distantes, e uns cortes de cabelo (ou um blazer, seja o que for) que tentam disfarçar uma personalidade inexistente. 

Em sociologia, aborda-se uma questão relacionada e pertinente na esfera religiosa, e que complementa o âmbito alargado do termo “revisionismo”. Muita gente ignora o porquê de existirem Santos e Santinhos diversos em tudo quanto é povoação. Uma religião que quer estabelecer bases e ambiciona tornar-se dominante num novo território, não procura apenas eliminar o rastro de religiões locais implementadas: absorve-as. Divindades locais (vamos cingir-nos ao mais familiar), tradicionais, são assim transformadas num novo Santo ou Santa, passando a ser essa a nova tradição a celebrar, algo que é feito de forma progressiva e visa não gerar rejeição na implementação da nova ordem. Denomina-se como sincretismo religioso, e é tão somente uma prática hegemónica. As semelhanças que detectarem são, obviamente, fruto da vossa imaginação. 

A não rejeição é a forma passiva da aceitação e anuência. Aceitem no clube que dizem amar apenas aquilo que aceitam no próprio país, caso contrário tirem a palavra amor da equação. Se o país pouco vos disser, apenas aquilo que aceitam nas várias dimensões socialmente integradas da vossa vida – nas não integradas façam o que entenderem. Aquilo que aceitam, fundamentalmente, define aquilo que cada um de vós é. Na ausência de acção ou reacção é o único reflexo fidedigno. Food for thought (on the house). 

Até à próxima.

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