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Quinta-feira, Março 28, 2024

Chumbar Para Sobreviver – Análise ao R&C 19/20 e Orçamento 20/21

É impossível não começar esta análise sem referir o logro, a armadilha, o truque preparado pelos Órgãos Sociais de modo a branquearem graves violações estatutárias e esconderem o objetivo e consequências da sua gestão ruinosa que, nesta altura, já não deve deixar dúvidas a ninguém honesto e com dois olhos. Trata-se de uma questão de sobrevivência de um clube dos sócios. É isto o que está em causa e é esta a batalha potencialmente final que teremos de travar na próxima AG. É esta a luta que temos de vencer obrigatoriamente.

É apresentada de forma camuflada, para ser aprovada à revelia da consciência das pessoas, uma dívida do clube à SAD (o CFeD tinha obrigação de alertar e agir em conformidade) que num só ano aumentou mais de 12 milhões de euros. O artº 43º dos estatutos é bem claro: apenas os sócios podem autorizar a constituição de empréstimos, dívidas, compromissos superiores a 10% ou em alguns casos 20% do orçamento anual.  Como em momento algum os sócios se pronunciaram sobre esta matéria, é clara a intenção de, através da aprovação das contas, validarem a grave infração estatutária, que no mínimo deve fundamentar a destituição com justa causa.

O logro não se fica por aqui. Além de mais um precedente na eliminação de um direito exclusivo dos sócios, com a aprovação do R&C fica reconhecida e legalizada a enorme dívida à SAD.

A partir desse momento, o Clube (e seus sócios bem como o restante património, que vai desde o PJR às ações que lhe dão o controlo da SAD) fica refém da SAD, à mercê da vontade dos seus auto-nomeados administradores, sem qualquer controlo, e das estratégias e objetivos que, sabemos bem, não são coincidentes com os interesses de todos nós. Em suma, ficamos à mercê de ser concretizado o sonho de Soares Franco: um “clube” com clientes e sem a chatice dos sócios.

Mais que um voto de protesto, o chumbar das contas será um voto em nome da sobrevivência, consciente e que acaba por tornar irrelevante a discussão em torno da documentação em votação. No entanto, vamos avaliar e discutir aqui aquilo que deveríamos ter o direito a discutir lá, no sítio certo, na Assembleia Geral (a qual também está nos planos futuros extinguir de forma definitiva na sua essência através do i-voting; a coerência, apesar de camuflada e rasteira, é absoluta).

Olhando para a frieza dos números vamos tentar extrair aquilo que é possível e desde já concluir, parafraseando o doutor fisiatra: Teresa , Teresa, Treza, a situação é negra, negra, mas muito negra. Não é cinzenta, é negra”.

Demonstração de Resultados

Os rendimentos no seu conjunto (patrocínios, inscrições, publicidade, bilheteira) tiveram uma redução face a 2019 de cerca 900 mil euros, e obviamente que o COVID não é alheio a esta questão.

As quotas são praticamente idênticas ao ano anterior 8.4M, não é indiferente ao facto de em junho mais de 8 mil sócios terem regularizado as quotas em atraso e/ou terem subscrito o regresso para não se verem eliminados. Foram estes regressos, que contribuíram com mais de 1M para os 8.4M de quotização e que conduziram ao resultado positivo de 74 mil euros (quase 50% dos 141 mil euros em 2019) e isso impede déficit neste ano, o que causaria queda imediata do fisiatra que dirige o clube.

Nos gastos, uma surpresa: apesar dos 3 meses de lay-off, os salários aumentaram 330 mil euros. Se compararmos com o valor de 2018 em que os salários totalizavam 1.01M, para os atuais 1.54 há um aumento de 530 mil euros em dois anos e isto com 3 meses de lay-off. Dá que pensar, qual seria o valor sem o lay-off.

Em termos de colaboradores aumento bem significativo: dos 38 em 2018 são já 72 em 2020, o que é quase o dobro. Já se verificara essa tendência no último artigo, relativo à SAD, o que mostra que há muito emprego a ser criado (e dado).

Nos honorários, que basicamente são salários dos atletas, comparativamente ao ano anterior há uma redução de 1.51M, e totalizam 9.59M. Aqui de forma evidente nota-se o efeito Covid e os atletas pagaram a fatura.

É de uma pobreza franciscana olhar para os 215 mil de lucro acumulado em dois anos e comparar com os cinco anos anteriores em que se construiu um pavilhão, se acrescentou 20 novas modalidades, se montaram equipas vencedores e se apresentou lucros acumulados superiores a 16M, e dívida à SAD era de apenas 260 mil euros, o que foi uma batalha enorme prestes a ser destruída e legalizada pelos sócios sem o saberem.

Por fim, uma referência importantíssima para o facto do R&C do clube confirmar a dívida de 17 milhões de euros à SAD, um (mais um) aumento de 12 milhões em apenas um ano; dívida essa que em 2018 era somente de 260 mil euros e que tanto incomodou o acionista Álvaro Sobrinho.

Balanço

Relativamente ao balanço, alterações pouco significativas. Registo que o passivo mantém o mesmo valor dos últimos anos, 202M, sendo que, para compensar o aumento no ano de 12M na dívida à SAD existe uma diminuição de 4M nos financiamentos, 5M nos diferimentos e 1M nos fornecedores. Repito: dívida à SAD que em 2018 era de 0.269M e em 2020 já é superior a 17M; será sempre importante ter isto em mente.

É também uma boa altura para lembrar que com a reestruturação de 2018, a dívida bancária do clube já estaria toda arrumadinha. Sem reestruturação estamos a pagar a fatura, e foram “apenas” 4M em 19/20. 

Orçamento

Passamos ao orçamento e vemos alguns truques na apresentação do mesmo, sendo o mais importante a eliminação da coluna da execução em 19/20, coluna que nos permitiria perceber onde estamos e para onde queremos ir.

Assim, a comparação será com a execução de 19/20 e não com o orçamento de 19/20, pois querem-nos fazer acreditar que há uma redução nos rendimentos e nos gastos na ordem dos 10%, que objetivamente não existe.

E não há muito mais a dizer, a não ser que temos um orçamento irrealista e enganoso, que ignora o efeito da pandemia e mais parece o produto de estagiários, sem soluções, e destinado a cometer os mesmo erros, vícios e excessos.

Quer os totais de rendimentos quer os totais de gastos apresentam valores totais idênticos à execução de 19/20, ou seja 21M, ignorando por completo que em 19/20 existiram 3 meses de medidas extremas de pandemia, e este ano não fazemos a mínima ideia de quando (nem como) a situação se irá (a)normalizar.

Na verba orçamentada para fornecimento e serviços externos, há uma redução de 1M comparativamente à execução de 19/20. Nesta rubrica estão incluídos os salários dos atletas, que levam um corte de 2.5M. Ora, se no total dos fornecimentos e serviços externos o corte é de apenas 1M quer dizer que parte do valor retirado aos atletas foi transferido para outras rubricas, como por exemplo para as deslocações e estadias, que aumentam mais de 600 mil euros.

Lembrar que, se juntarmos ao corte de 2.5 no orçamento de 20/21 os 1.5M cortados em 19/20, são já, em dois anos, 4M cortados em salários de atletas, corte distribuído na maior parte por outras rubricas e isso, obviamente, acaba por ter reflexos na competitividade e na extinção das modalidades.

Mais estranho ainda, os salários dos colaboradores, com 3 meses de lay-off incluídos, tiveram uma execução de 1.5M e está orçamentado para 20/21, acredito que sem lay-off previsto, apenas 1.4M.

Há no orçamento informação relevante que só é percetível para quem tenha a disponibilidade para ler e pensar na informação narrativa colocada nas diversas notas. Uma importante receita, que vale 26% do total das receitas. em valor, cerca de 5M, já foi recebida e por isso não vai gerar entrada de valor em caixa.

Este facto, causa um desequilíbrio de tesouraria que uma gestão sem ideias, sem soluções e sem preocupação com a sustentabilidade e  futuro do clube, apenas encontra sustento num imaginário resultado  positivo (lucro), e no mais que provável aumento dos empréstimos da SAD, que deixam o Clube na mão dela a qualquer momento. Esperamos, caso o orçamento seja aprovado (toc,toc,toc) que não se esqueçam de solicitar autorização a quem ainda são os donos do clube na teoria, os sócios, sendo que referir isto causa desde já gargalhadas.

Após dois anos com resultados próximos de zero e que justificam o recurso a empréstimos da SAD para honrar compromissos de gestão operacional, alguém acredita que este orçamento vai reverter a situação? Alguém acredita com honestidade que não existem interesses e objetivos neste endividamento crescente e consciente que está ser feito no Clube, e que será impossível de honrar? Alguém acredita na boa fé, na missão benemérita da SAD e na sua preocupação com o Clube, financiando o desequilíbrio operacional?

Na minha opinião, um orçamento irrealista, sem soluções e que continuará intencionalmente dependente dos empréstimos da SAD para pagar o desequilíbrio financeiro e que vai ocasionar uma necessidade de capital superior a 4M. No próximo ano, seguramente a dívida do clube à SAD já deverá ser superior a 25M.

Peço que leiam novamente o início deste texto.

Perante estas obras de arte que se traduzem num hino à incompetência e que demonstram a inexistência de soluções para de  imediato inverter a insustentabilidade, e com uma competitividade decrescente (quebrando o rumo de domínio nacional e internacional trilhado), nem será necessário recorrer aos fundamentos das ilegalidades e violação dos estatutos: é, obviamente, para chumbar!

Este artigo contou com a colaboração de Siberianwyvern – fica um agradecimento ao precioso contributo.

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Comments

  1. HULK VERDE

    Excelente análise aos documentos manufacturados pela medíocre e lesiva direcção do Sporting Clube de Portugal
    Infelizmente, não estão lá para servir o Clube, e sim para servirem-se dele. Nada que não soubéssemos, pelo menos os mais atentos e inteligentes. Aos que só agora se aperceberam do erro que foi abrir-lhes as portas e permitir todas estas artimanhas e abusos, que nem sequer respeitam, objectiva e notoriamente, os estatutos (e as leis). Não foi por falta de avisos claros e explícitos, como este, que é exemplar.