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Sexta-feira, Abril 19, 2024

Alcochete não é para esquecer, é para perceber

Aquando da (aparentemente) bem urdida novela das rescisões, na sequência do caso de Alcochete, o Sporting contratou um dos mais renomados especialistas mundiais em Direito Desportivo. Trata-se de Juan de Diós Crespo, o homem na génese da Lei Webster e que participou no famoso caso Matuzalém, para citar dois dos seus dossiers mais mediáticos.

Dele se diz ter boas relações com altas instâncias da FIFA. O próprio é mais contido e prefere justificar o seu êxito com a excelência do seu trabalho. Certo é que não se fala de um amador, antes de um profissional com bastantes provas dadas. O jornal desportivo a Marca descrevia-o desta forma, num artigo bem elucidativo e de recomendável leitura.

Fonte: Marca

O causídico espanhol, antes de ser travado pela entrada em cena dos protagonistas do golpe no Sporting, redigiu ainda algumas linhas interessantes. Como por exemplo, a acção contra o jogador Rui Patrício…

Não cabe neste texto a reprodução integral do documento que, de forma cabal, desmonta grande parte do argumentário repetido até à exaustão pela comunicação social e apadrinhado pelos mais diversos quadrantes, consoante lhes deu jeito. No entanto, quem pretender ler e retirar as suas próprias conclusões, sem o viés de doutrinas cartilheiras, pode fazê-lo aqui.

Também é importante verificar que episódios de invasão a centros de treino, bem como a intimidação a treinadores e jogadores, apesar de absolutamente condenáveis, não são assim tão raros quanto se tentou vender. Além de situações verificadas em outros clubes grandes, tomemos o exemplo do que aconteceu, por exemplo, em Guimarães, ainda com Rui Vitória no comando da equipa.

Fonte: Jornal de Notícias

E se repetiu cerca de sete anos depois…

Ninguém se recorda de uma saída concertada do poder político, nestes casos, para pressionar a justiça. Nem tão pouco da pressa em adoptar a tese de terrorismo de Rui Pereira, ilustre conviva da tribuna do Benfica e comentador afecto ao clube.

Magalhães e Silva, defensor de um dos arguidos, resumia assim o caricato:

“Quando se fizer a pequena história deste 15 de maio, serão lembradas duas coisas: que a GNR, na noite desse dia, se preparava para libertar todos os detidos, por se tratar de crimes que não admitiam prisão preventiva; e que Rui Pereira, antes mesmo de o Ministério Público [MP] tomar posição, defendia, na inenarrável CMTV, que a expedição de Alcochete constituiria crime de terrorismo.”

Ao que se sabe, desses episódios de violência e vandalismo, e não de terrorismo, como habilmente foi pintado, também não existiram cartas de rescisão decalcadas umas das outras. Talvez porque o médico vitoriano não estivesse envolvido, ainda que como idiota útil, num assalto ao poder, quem sabe?

A uma escala maior, e tema actual que parece longe de estar resolvido, também os jogadores do Nápoles, que viram as suas próprias casas assaltadas, lidam com ameaças de uma máfia realmente bastante perigosa, sendo ainda apelidados de mercenários por centenas desses adeptos, de uma forma pouco amistosa.

Fonte: A Bola
Fonte: A Bola
Fonte: Gazzeta

É importante a ressalva, antes de tudo, de que não se trata de relativizar ou mesmo banalizar estes actos lamentáveis. A comparação é feita apenas com o propósito de contextualizar. Aliás, sem o devido enquadramento, a maior parte dos exercícios, especialmente os da esfera jurídica e legal, são completamente estéreis.

Posto isto, onde estão as rescisões dos jogadores do Vitória ou do Nápoles? Até à hora que escrevo, não aconteceram. Porquê? Talvez Juan de Diós Crespo e a própria Dispute Resolution Chamber da FIFA nos forneça uma dica. Porque não é assim tão fácil…

Vejamos o que tem a FIFA a dizer sobre a rescisão de um jogador ao serviço de um clube pertencente a um país mergulhado em grande tensão e agitação política, com raptos, sequestros e verdadeira guerra civil (excerto retirado do documento referido acima).

E olhemos ao que (não) fez Rui Patrício.

Atentemos ainda a esta singela, mas pertinente, observação do referido advogado, que de resto é acolhida sempre com algum senso comum mais reflectido entre em acção.

Como seria fácil fintar os contratos milionários com tal precedente, não é? Pois suspeito, e com boas razões para tal, que isso não interessaria de todo às mais altas instâncias do futebol europeu e mundial. E como bem observa o advogado, seria abrir uma caixa de pandora muito perigosa. O que também era perigoso, era a manutenção dos processos, especialmente para quem estivesse “metido” nas rescisões até aos cabelos.

Em todo o caso, até porque às vezes a lógica é uma batata, vistos os valores pelos quais foi “negociado” Rui Patrício, com deleitosa comissão e pagamento de uma dívida não reconhecida em sede R&C, fica a questão: não seria de arriscar a continuação do processo? Será que os clubes que receberam os rescisores não ponderaram também o risco/benefício de poder ter a custo zero esses jogadores? Temos razões para acreditar que a nossa estrutura é mais competente do que a deles? Não o diria, de todo.

Esta guerra que Varandas abriu às claques, além de ter o triste mérito de tentar calar o descontentamento e recolher apoio junto de uma certa congregação, teria ainda outra promissora consequência, caso os GOA fossem na cantiga, que seria a do uso da força pelos mesmos. Em vésperas do julgamento de Alcochete seria mesmo uma cartada fantástica, uma espécie de cereja no topo do bolo. Esta jogada correu-lhes mal, vejamos que outros trunfos têm na manga.

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