RUGIDO VERDE

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Sábado, Abril 20, 2024

Charlatanismo quântico

Recentemente temos assistido a uma onda de indignação proveniente da comunidade científica relativamente à proliferação da pseudociência. Desde psicologia quântica a coaching quântico, passando pela já consolidada homeopatia ou pela inusitada apometria, tudo vale para enganar os incautos, seja por simples e genuína ignorância, seja por velada vontade de açambarcar o chamado vil metal.

Através da adopção de palavras e expressões vistosas – misteriosas mesmo – ou de vocábulos estrangeiro bem-sonantes, é possível vender água com açúcar ou doses de energia psicológica ao preço do último grito da tecnologia.

Mas perguntarão vocês: que raio tem a pseudociência a ver com o Sporting? Do meu ponto de vista, neste momento, quase tudo.

A começar pela direcção, que decidiu fazer da gestão quântica o seu porta-estandarte. E o que será isso de gestão quântica? Bem, consiste na prática de criar uma Estrutura sub-atómica altamente profissionalizada, fugindo ao olhar mais bem treinado e apoiado pelo comum microscópio, sendo absolutamente intangível para o comum dos mortais. Ou dito de forma mais simples: ninguém vê, ninguém sabe como funciona, mas tem tudo para dar certo. Uma vantagem sobre os rivais, claro está.

Vejamos: no programa eleitoral de Frederico Varandas podemos ler os pontos 4 e 6 do pilar I do futebol profissional – Política de Contratações e World Class Scouting (sic). Lá se explica a necessidade de contratar jogadores sob critérios de valorização, rentabilidade desportiva e de utilidade para o plantel profissional. Como? Através de um head scout altamente especializado e de uma rede de olheiros extremamente competente, integrada com a restante equipa técnica. Bravo!

De que forma é possível que ao cabo de tantas contratações não haja um único jogador que entre de caras para o onze principal de uma equipa ganhadora? Não sabemos…

Como é possível Manuel Fernandes (mais não fosse por ser homem da casa) não conhecer o melhor jogador sub-23 numa posição que foi sua outrora? Também não sabemos…

Por que motivo Keizer ainda não conseguiu arranjar lugar no onze para uma das contratações mais caras da história do Sporting (se não a mais cara…)? É mistério igualmente.

Mas lá está…estamos no domínio quântico e tudo aparenta ser obscuro apenas para o simples adepto. Aqueles estrangeirismos bonitos não podem ser apenas verbo de encher, tem de haver ali substância.

Não acredito que World class Scouting não signifique competência extraordinária e métodos inovadores per se. É que bastam as palavras para termos a certeza de que tudo corre com processos altamente meticulosos e eficientes. Pelo menos aquela malta muito fancy dos rooftops e dos tweets em sunsets deve ter extasiado com a designação…

Mais adiante nesse mesmo documento, especificamente no ponto 8 que versa sobre a monitorização do treino, ficamos a saber que o departamento médico carecia de valências a esse propósito. O próprio Frederico Varandas se queixou, em recente propag…entrevista, que enquanto director clínico nunca teve as necessárias condições, exortando os seus subordinados a dar graças à sua obra (não se sabe a que nível, mas a tonalidade das paredes está bem mais agradável). Contamos ainda por estes dias com os préstimos de um cientista desportivo vindo do Irão.

Por que motivo uma equipa que teve dois dias de folga, sendo seguida de perto por um Xamã da Fisiologia, se deixou cair no final do primeiro jogo? Também não sabemos. Deve ser “preparação física” quântica.

Talvez haja uns processos e metodologias complexos, quiçá uns programas informáticos de apoio à decisão que só rodam em computadores que usem de Windows XP para cima. No entanto, os benefícios práticos no terreno de jogo são apenas observáveis ao nível dos quarks. Passam ao lado daquele conceito tão complexo que é uma equipa aguentar 90 minutos de jogo, no primeiro jogo do campeonato… Ou isso, ou a qualidade dos colchões nos quais dormem os jogadores.

O que não é quântico, mas nem por isso deixa de girar em torno do charlatanismo, de tão corriqueiro que se tornou, é a saída cronometrada de alguns notáveis.

Com sublime harmonia de Chopin, eis que Dias Ferreira, José Eduardo, Octávio Machado e o próprio Manuel Fernandes se lançam a terreiro quais diligentes pianistas da 2ª Guerra Mundial.

O argumento já é estafado e os actores por demais conhecidos. Ainda assim, pudemos assistir a uma mistura de géneros curiosa, uma espécie de Pulp Fiction leonino. Mas em formato de série.

Dias Ferreira encarnou Octávio Machado para dizer que sabe não-sei–o-quê, sobre não-sei-quem, mas não quer abrir a boca.

José Eduardo, sacando da sua literacia, deu uma de Dias Ferreira ao dizer que o clube está num beco sem saída e fala de uma catástrofe enorme a vários níveis.

Manuel Fernandes, num fantástico movimento, fez corar de vergonha a recém-aclamada Simone Biles, queixando-se da agenda televisiva e do bullying que esta exerce sobre quem bem entender (quem diria…).

Octávio Machado fez simplesmente de Octávio Machado. Sabia que tinha de dizer qualquer coisa, dava jeito até que mostrasse alguma indignação, e fê-lo com a eloquência a que já nos habituou.

Certo é que todos concordaram em declarar a hecatombe. Como era esperado. Como é habitual.

Os actores estão em cena, o guião já o sabemos de cor e está a ser seguido à risca, resta perguntar: quando vai para o ar o último episódio da série?

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Comments

  1. António Silva Ferreira

    O meu aplauso para o texto. Sublinho o último parágrafo. SL

  2. Leão com memória

    Muito bom.
    Fantástica comparação e humor refinado.

  3. Babalu, um leão como tu

    Está excelente o texto!

    P. S. – este comentário foi feito sem recurso à quântica charlatã.

  4. Rei Leão

    Excelente texto. A charlatanice quântica é realmente muito bem encaixada no modus operandi deste Sporting de charlatães. Quem não se lembra também dos project finances que tão bem soavam aos ouvidos dos incautos?

  5. Adiciona á mistura uns nomes conhecidos de ex-jogadores na “estrutura” vestidos de fatiota e tens mais um ingrediente desse charlatanismo, achar que um bom jogador retirado dá um bom dirigente desportivo é o mesmo que achar que um trolha retirado dá um bom engenheiro civil. Aparentemente alem de formar jogadores tb formamos dirigentes sem experiência nenhuma nesta aventura “quantica”.